Por
Lu Sudré e Rute Pina
As pessoas que tiveram contato com a lama que invadiu a cidade de Brumadinho
(MG) após o rompimento da barragem da mineradora Vale, na tarde de 25 de
janeiro, começam a apresentar sintomas de intoxicação. A tragédia, que já
deixou ao menos 110 mortos e 238 desaparecidos, espalhou cerca de 12 milhões de
metros cúbicos de lama com rejeitos pela cidade.
O marido de Valéria Brumas, agricultora no Assentamento Pastorinhas, teve
contato com a lama no dia que a barragem rompeu, ao auxiliar como voluntário no
resgate de vítimas e pessoas desaparecidas. Na segunda-feira (28), ele
amanheceu com erupções pelo corpo e procurou a Unidade de Pronto Atendimento
(UPA) do município.
O hemograma indicou que os níveis de plaquetas e leucócitos em seu sangue
estavam baixos. Dois dias depois, na quarta-feira (30), ele retornou ao
atendimento e estes níveis estavam ainda mais baixos, conta Valéria.
Toxicidade
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que, até o
momento, recebeu a notificação de quatro casos de doença diarreica na região.
Os casos, segundo a secretaria, não evoluíram para formas mais graves da
doença.
A SES-MG encomendou um outro estudo, para avaliar a toxicidade e analisar as
possíveis consequências para a saúde da população provocadas pelo contato com
os rejeitos. Uma análise laboratorial do material também estaria sendo
realizada pela mineradora Vale.
A Secretaria orienta que a população da cidade evite o contato com a lama de
rejeitos e com as partes atingidas do rio Paraopeba. A orientação é válida
desde a confluência do Paraopeba com o Córrego Ferro-Carvão até Pará de Minas,
aponta a pasta.
Os bombeiros que trabalham na região receberam uma dose de antibiótico, como
medida preventiva à leptospirose. A medida é padrão neste tipos de resgate.
Sintomas da contaminação
Outra orientação é que qualquer pessoa que tenha tido contato com a água do Rio
Paraopeba - após a chegada da lama de rejeitos - ou ingerido alimentos que
também tiveram esse contato, e apresentar náuseas, vômitos, coceira, diarreia,
tontura, ou outros sintomas, procure a unidade de saúde mais próxima.
No dia do rompimento da barragem, a Unidade Básica de Saúde (UBS) Casa Branca,
cidade vizinha a Brumadinho, recebeu cerca de 80 pessoas com pressão alta por
conta de ansiedade, nervosismo e outros sintomas.
A enfermeira Daniela Diniz conta que alguns voluntários também já demonstraram
sinais de contaminação. "A gente recebeu muita gente aqui. Haviam pessoas
que moravam aqui, foram ajudar e dar assistência no Córrego do Feijão, pessoas
que estavam na área de risco. Quem teve contato com a lama teve diarreia,
náuseas e vômitos. Para essas pessoas, fizemos o atendimento aqui, e casos mais
graves, como dores abdominais agudas, encaminhamos para a UPA de Brumadinho,
que tem um suporte maior, pode fazer exames", informa.
A enfermeira Daniela Diniz trabalha na UBS Casa Branca. | Foto: Lu Sudré /
Brasil de Fato
Ela acredita que os problemas de saúde tendem a aumentar, além dos casos de
intoxicação, com a necessidade de apoio psicológico também: "A gente vai
precisar de muita ajuda para passar por isso."
A tia dela, Lenilda Martins Cardoso, de 39 anos, nutricionista e coordenadora
do restaurante da Vale, está desaparecida: "A gente fica muito revoltado
porque é algo que poderia ser evitado. A gente perdeu muita gente. Eu moro aqui
há 30 anos. Conheço muita gente e todo mundo conhece todo mundo. Então, de
alguma forma direta ou indireta, todas as famílias de Brumadinho foram
afetadas".
Riscos futuros
Além de sintomas imediatos, a lama tóxica pode trazer problemas futuros à saúde
para quem teve contato com o barro e para as comunidades no entorno.
Rejeitos de mineração contêm óxido de ferro, amônia, sílica, silte e argila. Já
barragens antigas podem ter elementos tóxicos, como arsênio.
A água é outro elemento de temor entre os moradores e os trabalhadores da
saúde. "Então, por exemplo, uma das coisas que nos preocupa e que a
população está muito ansiosa é em relação ao consumo de água. Ao mesmo tempo
que orientamos inicialmente que se ingerisse água mineral, e até chegou água
mineral lá, a gente teve informação da Copasa [no dia 28/01] que esteve lá, mas
não levou nada por escrito, oficial, que naquela região eles [moradores]
poderiam consumir, e a água lá é, principalmente, de poço artesiano, e eles
disseram que estava sem contaminação", relata Daiana Elias Rodrigues,
médica de Família e Comunidade que integra a Rede Nacional de Médicas e Médicos
Populares (RNMMP).
A enfermeira da unidade se negou a repassar a orientação da Companhia Mineira
de Água e Esgoto (Copasa/MG) à comunidade. "Inclusive ligaram para a
enfermeira da unidade [básica de saúde] dizendo que a gente poderia informar a
população. Mas a enfermeira disse: não vou repassar isso [orientação da Copasa]
na assembleia, se vocês não enviarem um comunicado por escrito", lembra a
médica.
Daiana, que também foi voluntária em Mariana, em novembro de 2015, classifica
as consequências à saúde dos atingidos em problemas de curto, médio e longo
prazo. "A curto [prazo] preocupa muito o contato com a lama, isso pode
gerar dermatite. Outra preocupação é em relação à questão respiratória, porque
tem poeira, um ambiente carregado [poluição]. Mas esse a gente vai ficar
atento. O principal problema é psíquico mesmo."
Após a tragédia de Mariana (MG), diversos institutos e movimentos passaram a
acompanhar a saúde da população da Bacia do Rio Doce.
Dois anos depois do rompimento da barragem, exames de sangue e urina realizados
por 11 pessoas do município de Barra Longa indicaram alto nível de níquel -
substância que é capaz de causar doenças de pele, queda de cabelo e outras
ainda desconhecidas. Três delas apresentaram arsênio no corpo, além do limite
aceitável. Fonte: Conexão Jornalismo
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