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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

A FALÊNCIA DA UTOPIA


O educador Paulo Freire fala dos tempos de crise com absoluta lucidez evidenciando que o hoje é um tempo marcado pela perplexidade diante das dúvidas que a crise do processo civilizatório nos impõe. Mas, paralelamente, nesse mesmo tempo, caracterizado pela solidão e pelo medo, Freire vê um tempo de aproximação que, após o rompimento com a solidão, traz a possibilidade de se construir o novo a partir de uma força coletiva.
Nessa construção solidária, a educação tem papel fundamental como um processo não de repetição, mas, sim de recriação, porque, acima de tudo, o destino do homem é o de ser sujeito de sua ação ao criar e recriar o mundo em uma filosofia educacional que tem por base o diálogo e, por isso, ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, mas os homens se educam em comunhão.
Simplificando tudo o que lemos, Paulo Freire e o não menos eminente, professor de Geografia, Milton Santos pregam que não existe educação sem amor e que isso implica uma luta contra o egoísmo, porque aquele que não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar.
A educação cujo princípio é o amor tem seu fundamento na sabedoria. Desse modo, "despreza" a erudição em respeito à dignidade humana. Quem ensina não tem empáfia...Quem de fato é mestre não tem ódio algum. Os autores nos falam, assim, de uma educação para a liberdade, voltada para a utopia e para a esperança. Afinal, segundo Paulo Freire, uma educação sem esperança não é educação.
Lamentavelmente essa utopia, exposta de forma tão sábia e bela por seu autor, parece agonizar ou quem sabe até já morreu, porque, hoje já não vemos alunos, professores e nem mesmo a própria comunidade com verdadeira esperança e fé na educação; sobretudo, naquela oferecida nas instituições públicas, incluindo aí até mesmo a universidade .Neste contexto, a escola tornou-se válvula de escape da sociedade opressiva. Como, então, construir solidariamente uma educação desinibidora e não restritiva, capaz de tornar o homem senhor do próprio destino em uma sociedade alienante e cínica, na qual a dignidade profissional da figura do professor é explicitamente destruída?

É discutível, portanto, a possibilidade de transformar"mos" a educação em um processo de recriação não mais repetitivo, mas dialógico, visando à autonomia ontológica do ser, quando ao professor, "gente que faz gente", cabe apenas aceitar as condições insalubres ao exercer seu ofício sem demonstrar qualquer tipo de insatisfação pessoal diante desses atos, muitas vezes, cruéis e degradantes.
Acrescenta-se a isso, os triviais casos de assédio moral, cometidos até por superiores, e ainda de agressões verbais e físicas a que os docentes são submetidos por jovens desorientados, que despejam naqueles que os educam suas frustrações, como se os professores fossem os responsáveis pela miserabilidade dessa massa estudantil.
Na sua Pedagogia do Oprimido, Freire denuncia, rotulando de infame, a concepção bancária da educação, própria da sociedade tecnocrática, que além de destruir as iniciativas autônomas do estudante, submetendo-o a um poder ideológico e catequista, torna, também, sua mente dócil às imposições do autoritarismo vigente.
Nessa conjuntura, o próprio professor é paulatinamente "recriado"nos moldes do sujeito oprimido por um sistema necrófilo que ao implantar a educação faz dele, professor, um simples assalariado cuja existência fica reduzida a utilização de conhecimentos operacionais no exercício de uma profissão considerada socialmente útil.
Não pode haver coerência em se pregar a educação como um ato de amor e de luta contra o egoísmo e, também, onde aqueles que educam devem compreender e respeitar os seres ainda inacabados, Em face de uma atuação docente paternalista, na qual os professores procuram tão somente agradar aos estudantes ao não impor a disciplina intelectual, em um procedimento indevido que infantiliza e não permite o amadurecimento existencial do aluno; tido, enfim, como cliente e que, como tal, sempre tem razão!
Conseguiremos, efetiva e sinceramente, amar um alunado incapaz de perceber na atividade pedagógica do professor e no conhecimento adquirido um mecanismo de crescimento pessoal e de emancipação política?
Infelizmente, no atual cenário educacional brasileiro a educação de base é, aos poucos, negada; criando uma geração de analfabetos funcionais que, mais tarde, pelos malabarismos políticos encontrarão as facilidades oficiais para ingresso nos cursos superiores públicos ou privados mesmo que não estejam, de modo geral, preparados para a complexidade da formação universitária.
Dessa forma, mesmo na vida acadêmica, vemos estudantes que jamais encontram dificuldades pedagógicas, imprescindíveis para que haja uma formação cultural consistente, porque seus professores também se comportam de forma apática; avessos a qualquer tipo de conflito e, em virtude disso, acabam adotando a mesma postura permissiva dos docentes medianos das falidas escolas públicas para que não sejam censurados por não atender as "necessidades" dos estudantes descompromissados ou de falso rendimento intelectual, que somente sabem se comunicar positivamente com os docentes acadêmicos quando se encontram sob o risco de reprovação ou quando são "ajeitados" de forma diversa e privilegiada dos colegas ou do cronograma de aprendizagem.
Por fim uma última questão: Em que medida a educação proporcionada pela universidade pública, de modo específico de formação de professores, tem fundamento na sabedoria, abrindo mão da cultura exclusivamente erudita em prol da dignidade humana e da liberdade?
Pouco importa em nosso momento histórico se as faculdades agregam em suas fileiras estudantis pessoas que não estão, existencial e intelectualmente, preparadas para as dificuldades relativas à vida acadêmica e talvez nem mesmo para a experiência profissional como educador.
Por outro lado, na Era tecnológica do capitalismo neoliberal, a educação figura como um mecanismo que não visa à promoção da singularidade humana em sua real possibilidade de expressão criativa, mas, acima de tudo, objetiva a criação de especialistas máximos do mínimo que, muitas vezes, apenas reproduzem a ideologia da alienação existencial em suas atividades profissionais, alheios, inclusive, ao fato de que o mundo de hoje já não é feito de certezas; essa é a única verdade empírica.
Se a universidade não supera ou não se posiciona contra esse egoísmo ela se torna servidora deste, impedindo que o pensamento autêntico possa se efetivar. Em face a essa omissão há pertinência em parafrasear o filósofo Schopenhauer: "Ai do tempo em que o atrevimento e o disparate repeliram a inteligência e o entendimento”.
Talvez, esteja faltando à universidade o que Paulo Freire chama de rede de solidariedade. Nela, o compromisso é sempre solidário e nunca se reduz a gestos de falsa generosidade ou a um ato unilateral. É o encontro de homens solidários comprometidos com um mundo mais humanizado. Um mundo em que todos os homens, e mulheres também, coletiva e solidariamente se responsabilizam perante a história.

Valter Silva é Pedagogo

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