Em
face de um dualismo ético, justificado como modo de vida e como garantia de
sobrevivência, vemos aflorar em escala cada vez mais crescente o chamado
"jeitinho brasileiro", no qual pessoas que cobram transparência dos
políticos não enxergam contradição alguma em usar o expediente da malandragem
para resolver seus problemas cotidianos ou individuais.
Ao lado da ética mais tradicional, que tem por princípio a honestidade e o
cumprimento do dever, existe uma "outra ética", cuja referência é a
valorização da esperteza e que visa tão somente a levar vantagem em tudo,
tornando-se, assim, um modelo a ser seguido e sinalizando que aqueles que não
tiram partido individual da coisa pública são considerados bobos ou imbecis.
Infelizmente, essa verdadeira apologia da malandragem traz em si o perigo da
justificação da escancarada corrupção que ora assola um sinistro Brasil, cujo
lema, ironicamente, é ordem e progresso.
Hoje em dia, a participação política dos cidadãos e cidadãs, sobretudo,
daqueles mais letrados, incluindo aí muitos educadores, não busca a
transformação do sistema, mas, sim, a manutenção da vida e das benesses
pessoais. Não há, efetivamente, a mínima pretensão de se modificar o todo das
instituições e muito menos qualquer interesse no preparo dos estudantes para
viver em um mundo em constante transformação, marcado pela violência e
pela incerteza.
Essa má formação da juventude em nossas escolas públicas deve-se basicamente à
ausência da prática do diálogo entre seus diferentes membros; pois essa
competência implica em fazer uso da palavra para defender um ponto de vista e
também o de outras pessoas, porém, sem o uso da coerção, da imposição, do medo
e da violência física ou simbólica.
Os professores, lamentavelmente, são cada vez mais, constrangidos a aceitar,
sem nenhum questionamento, um determinado programa que em nome do avanço
educacional é imposto por um aziago verticalismo que não reconhece o predomínio
do consenso entre os interlocutores, sempre fiel à lei do velho ditado:
"Manda quem pode!"
Toda essa violência simbólica, porém, é fruto da infeliz postura da classe
docente que em nome da "sobrevivência" tornou-se súdita (sob o dito
de alguém), ficando, então, submissa a uma estrutura politico-educacional que
em vez da palavra faz uso da força; em vez da persuasão utiliza a imposição;
promovendo, enfim, o empobrecimento, a sujeição e a própria negação da vida
real.
Nesse contexto, a formação dos alunos como cidadãos ativos, capazes de viver em
sociedade de forma responsável, é absolutamente negada, acima de tudo pelo não
reconhecimento deles pela comunidade escolar como sujeitos dignos de apreço
tanto pela adesão quanto pela participação nos debates que acontecem no
processo de ensino-aprendizagem na instituição educacional pública.
É inconcebível que um docente submetido ao jugo dos poderosos, possa, de fato,
contribuir para a salutar formação do aluno como sujeito autônomo, quando, na
verdade, este mesmo professor ignora, ou é forçado a ignorar, a necessidade de
valorização do outro em suas decisões, porque disso depende sua própria
sobrevivência dentro de um corroído sistema subserviente e depressivo.
O Positivismo de Augusto Comte, chamado de a Religião da Humanidade, tinha o
amor por princípio, à ordem por base e o progresso por fim. Em nossa bandeira
brasileira, o amor foi ditatorialmente retirado. Chegamos, assim, ao terceiro
milênio diante de uma temerária crise não somente ética, onde encontramos
dificuldades para estabelecer os valores ainda vigentes; mas, paralelamente,
vivenciamos a crise na própria ética, ou seja, na contagiosa descrença da
capacidade da razão em fundamentar seus valores essenciais.
A ordem e o progresso sem o amor são ideais restritamente apropriados ao regime
penitenciário; o qual deve ser pronta e incondicionalmente obedecido a fim de
que a pena seja abrandada e para que ocorra, em suma, o progresso rumo à tão
sonhada liberdade. A substituição do amor pela racionalidade progressiva gera,
de antemão, a gradual perda de sentido do imaginário religioso. Livre da culpa,
dos mistérios e mesmo de Deus, a humanidade passa, entretanto, a ser
escravizada por sua própria criação; através de rígidas estruturas
institucionais a serviço de uma plutocracia governamental que se nega à prática
dialógica ao limitar esse tão valioso instrumento de luta contra a injustiça e
o preconceito tradicionais.
Educar para o diálogo é educar para a formação de um sujeito de deveres e de
direitos, que exerça sua cidadania de forma solidária e ética. Para tanto, é
preciso que tenhamos em mente que "formar" não é apenas informar.
Desse modo, enquanto o ato de formar vincula-se à transmissão de conteúdos
pedagógicos que possibilitem ao aluno adquirir uma consciência crítica em
relação a seu contexto social; a informação, por seu turno, desprovida do
diálogo e da reflexão, motiva apenas a passividade do estudante, criando,
então, uma espécie de dependência simbólica ante a uma educação pautada no
nefasto paternalismo e no velho "pão e circo", ambos mantenedores
oficiais da ausência de criticidade e do "status quo" da elite que
impera.
HOMO
HOMINI LUPUS
Filadélfia - Bahia, Abril de
2019
Por: Valter Silva
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