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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

PROFESSOR VALTER SILVA : ENTRE "TAPAS" E TORTAS



ENTRE "TAPAS" E TORTAS

A recente volta da nomeação para o cargo de diretor escolar municipal através da revogação de alguns artigos da lei 157/2009 que legitimavam a eleição do gestor escolar  pela votação direta de professores, funcionários da escola, alunos e pais ou responsáveis evidencia, de fato, um perigoso retrocesso em um país tido como democrático e, sobretudo, em um governo local denominado  "da Reconstrução". A realidade brasileira, porém, mostra que a tendência centralizadora é ainda muito forte na cultura da escola e do sistema educacional como um todo, especialmente, em localidades marcadas pelo atraso e pelo autoritarismo plutocrático.
Pautando-se na impossibilidade de apenas a direção solucionar os problemas e as questões inerentes à vida escolar, a chamada gestão participativa, cujo diretor é eleito, inclusive pelos seus colegas, pressupõe uma prática de discussão conjunta que envolva desde a divisão de responsabilidades e a definição das funções de cada um até as decisões sobre encaminhamentos e ações concretas.
Vemos, todavia, que durante o período em que foi instaurada a eleição para diretores das escolas municipais em Filadélfia a participação coletiva no seu sentido pleno não se tornou uma prática comum no cotidiano escolar, talvez ainda marcado pela concepção  de que o diretor seja o único responsável pela escola. Não podemos, porém, falar em gestão participativa ou democrática onde o perfil da escola é definido pela figura do seu diretor, mesmo que  tal diretor não apresente qualquer destaque expressivo. Nesse sentido é urgente o trabalho de todos: professores, funcionários, alunos, pais ou responsáveis e a comunidade, enfim, na construção de sua cultura e de sua própria história.
Há, no entanto, como obstáculo, uma inegável realidade na qual as relações estabelecidas entre os membros da escola apresentam desequilíbrios tanto no nível das ações quanto das expectativas e dos anseios de cada um.
Isso ocorre porque muitos profissionais não têm clara consciência do seu existir como educador, por não estarem comprometidos com aquilo que  pensam, mas, enxergando sob a ótica de uma sociedade consumista e alienada, onde os arcaicos governantes pretendem manter o alunado em um estado de absoluta precariedade intelectual. Acrescenta-se aí, a própria hierarquia relativa aos diferentes cargos que configura no contexto da atuação pedagógica na escola como devem ser exercidas as relações de poder.
Desse modo, o atávico  autoritarismo, essência de um sistema político vicioso e  acéfalo, acaba refletido na hierarquia escolar pela  triste  mancha do tráfico de vaidosa influência, existente na escola  entre uma parte dos  docentes e seus superiores; e, ainda, por um certo  distanciamento afetivo, entre aqueles que educam, causado pelos desígnios da posse ou  do ter.
A existência desses dois abomináveis processos no sistema público de ensino pode até não impedir a ação educativa, destruindo a prática solidária proposta por uma gestão  democrática, mas, no mínimo, influenciam,  negativamente, como elementos causadores de tensões e desigualdades; o que, por si só, já fere o discurso de uma gestão coletiva e dialógica.
A gestão dos diretores eleitos em Filadélfia, a exemplo daquela dos nomeados, esteve, sempre, e igualmente, atrelada a um modelo governamental usurpador da coisa pública e desprovido da verdadeira disposição para o progresso e para a mudança social. Assim, é costume sugerir ao corpo docente, mesmo em gestão eleita democraticamente, que agrade aos estudantes, jamais lhes impondo qualquer disciplina intelectual; devendo ainda, em nome da "inclusão", ser conivente com a permissividade concedida por burocratas travestidos de educadores a alunos insolentes ou agressivos e favorecendo, assim, ainda mais a perda de qualquer respeitabilidade estudantil pela figura do professor.
Em tal contexto, a dignidade do  professor é triturada aos poucos, e sobretudo, pelos constantes casos de assédio moral, infelizmente, praticados em maior escala por secretários, diretores e coordenadores, ainda que   de forma dissimulada, entre tapas, beijos e tortas. Além disso, temos as agressões verbais e  ameaças  físicas, cujas maiores vítimas são justamente aqueles educadores comprometidos com a missão basilar da escola que é educar crianças e jovens; muito "diferentes", portanto, daqueles que proliferam em nosso sistema educacional, onde discursam em uníssono que o" problema" é a família! Ou que o governo não valoriza o professor...; por isso, acham que nada pode ser feito!
Nesse triste, mas real cenário da educação nos últimos anos em nosso município, o professor não encontra na estrutura do Estado e, evidentemente, na própria direção da escola   qualquer amparo que possa eliminar as mazelas relativas à carreira docente. Na realidade para a gestão escolar cabe ao professor apenas acatar as condições insalubres nas quais exerce cotidianamente seu ofício sem demonstrar qualquer tipo de insatisfação pessoal diante das diversas humilhações e também da agressividade dos alunos e de seus pais, contrários a qualquer disciplina imposta pelo professor aos filhos; na maioria dos casos maus estudantes e mal- educados.
Independentemente, portanto, de termos uma direção escolar de caráter centralizador onde o diretor é quem manda; ou outra, que se intitule democrática pelo fato de eleger seu diretor, a classe docente perdeu em ambos os tipos de gestão escolar não só a sua dignidade existencial, cuja consequência é evidenciada pelos corriqueiros casos de depressão, síndrome do pânico e stress, mas, simultaneamente, o professor perdeu a credibilidade profissional.
Hoje em dia os alunos já não percebem na atividade docente um mecanismo de crescimento pessoal e de emancipação política. Por outro lado, a potência criativa dos professores é roubada, quando são coisificados e alienados de suas qualidades pessoais e profissionais por burocratas- educadores que tentam transformá-los em meros palhaços ou  animadores de auditório a fim de atender os clientes-alunos, principalmente, em um modelo de gestão escolar que para ser visto como democrático, confunde disciplina e ética com autoritarismo ou retrocesso.
Esta desvalorização torna-se ainda mais inquestionável nas ocasiões em que o professorado luta por direitos profissionais nas greves e não somente os alunos ficam alheios aos problemas estruturais que afetam a carreira docente; como também muitos professores que por omissão ou por flerte com o corrupto poder preferem depositar toda confiança no sindicato na mediação com os órgãos públicos, mesmo cientes da espoliação profissional sofridas por todos professores, praticadas pelo governo que  esses profissionais, por vicioso individualismo, fortalecem, obedecem e adoram.
O que observamos, em suma, há muitos anos, no universo da escola pública,  são alterações sempre para pior; como por exemplo, grande rotatividade de professores, evasão escolar, abandono, depredação e transferência de alunos, além do baixo rendimento e déficit de escrita e leitura, fatos que pouco parecem inquietar a maioria dos professores.
O que está em jogo; pois, no perfil do diretor da escola é a sua capacidade institucional e individual de estabelecer mecanismos de negociação e de mediação, capazes de viabilizar à vida cotidiana da instituição educativa um diálogo constante com as normas, regras e outras convenções formais a serem cumpridas por todos e em consenso e sem privilégios para nenhum membro da escola.
Antes de pensar em gestão democrática, temos que ter a consciência de que a instauração da democracia depende basicamente da existência de boas instituições públicas como sindicatos, grêmios estudantis, associações e conselhos, sendo ainda imprescindível uma mentalidade social aberta aos valores de liberdade, igualdade e de solidariedade.
No Brasil, e igualmente em Filadélfia, não temos nem uma coisa, nem outra, pois a participação política da maioria dos cidadãos, aqui, mais especificamente dos professores, envolve o famoso "me ajeite que eu lhe ajeito" e outras benesses como os cargos que, na realidade, servem muito mais para fazer alianças com governos de igual espírito conservador, que nos domina desde os tempos coloniais, do que para educar as novas gerações no sentido de superar essa falsa democracia que muitos pregam, mas que bem poucos praticam.
Reiteramos, enfim, que mesmo em um governo ditatorial, o autêntico diretor, ou líder de uma equipe escolar, deve possuir algumas qualidades que só são reconhecidas por todos, quando são sinceras: a honestidade, a  confiabilidade dos demais, os bons exemplos de comportamento ético, os cuidados e o compromisso com a escola e não com as vaidades e amizades pessoais. Além disso, o bom diretor ou coordenador precisa ser bom ouvinte e tratar alunos e todos os professores com igual respeito, tendo uma atitude positiva e entusiástica que encoraja todas as pessoas que atuam na escola sem tomar posse de suas ideias ou dificultar projetos essenciais para o progresso do aluno. Esse tipo de líder, enfim, gosta de verdade das pessoas. Recordemos as palavras de Jesus, o Mestre dos mestres: Quem quiser ser líder deve ser primeiro servidor. Se você quiser, verdadeiramente liderar, deve servir.


Filadélfia Bahia, Novembro de 2018.


Por Valter Silva

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